terça-feira, 18 de setembro de 2012

A Amazônia e a importância da governança local



A gestão dos recursos naturais da Amazônia por comunidades tradicionais, colonos e assentados pode contribuir para o desenvolvimento rural sustentável. Contudo, o marco legal e institucional é caracterizado pela definição externa de pacotes técnico-gerenciais que dificultam o reconhecimento e apoio às iniciativas locais. Considerando o potencial das iniciativas locais, é necessário explorar as possibilidades de promoção de sistemas de governança desenvolvidos pela próprias comunidades como alternativa para o uso de recursos naturais. Iniciativas desenvolvidas pelos próprios produtores têm melhor potencial de adoção e manutenção por terem sido construídas com base em seus interesses e capacidades.



Projeto Governança - Objetivo geral


Criar condições para os agricultores familiares da Amazônia e suas organizações representativas desenvolverem e legitimarem junto autoridades governamentais sistemas de governança de recursos naturais elaborados de acordo com seus interesses e capacidades como base para a geração de renda e o desenvolvimento sustentável.


O projeto Governança trabalha com agricultores no município de Medicilândia e ribeirinhos no município de Porto Moz, no estado do Pará. No total são 35 comunidades em Porto de Moz e 40 agricultores em Medicilândia que estão sendo apoiados para desenvolver sistemas de governança local, construir arranjos institucionais em apoio a esses sistemas e difundir lições aprendidas. Em Porto de Moz destacam-se as atividades de acordos de pesca, manejo florestal e criação de búfalos. Em Medicilândia destacam-se as atividades de plantio de cacau, criação de gado e atividades diversificadas como criação de frango, suídos, plantio de mandioca e de açaizais.



Criação de Búfalo Ameaçada na Verde Para Sempre

Claudio Wilson Barbosa

Durante mais de meio século, famílias ribeirinhas de Porto de Moz iniciaram e aprimoraram sistemas de manejo de criação de bubalinos nos campos naturais de várzeas entre os Rios Amazonas e Xingu. A capacidade de adaptação dos animais, aliada a inteligência e criatividade dos ribeirinhos na construção de marombas para o período das cheias, cercas para o manejo, transporte dos animais de uma área para outra em pequenas embarcações ou a nado fizeram com que a maioria das famílias tivesse sua renda ampliada com a produção do delicioso queijo de búfalo e a venda de animais para abate.

No entanto, a partir de 1989, com o nível das cheias cada vez maior, os criadores passaram a sofrer perdas acentuadas de animais e da produção de queijo.  Apesar da alta capacidade de adaptação dos animais a ambientes alagados, resistência para procurar alimento, a nado, em áreas distantes, as últimas enchentes, devido à rapidez da subida da água, provocou a morte da pastagem natural, por não ter havido tempo para a vegetação acompanhar a subida das águas como habitualmente. Ficando submerso por vários dias, o capim acaba apodrecendo e morrendo, fazendo com que os campos pareçam rios.

Esse fator tem obrigado cada vez mais os criadores com acesso a áreas de terra firme, a estabelecerem pequenas áreas de pastagem cultivadas para assegurar alimento para os animais menores durante os picos das cheias. Outros que não têm acesso à terra firme asseguram o alimento dos animais menores com corte de capim; mesmo que essa prática apresente suas limitações, parte dos animais consegue sobreviver. 

Além do fator enchente que, por si só, ameaça fortemente a vida de centenas de pequenos criadores em Porto de Moz, pesa o fato de, a partir de 20004, com a criação da Reserva Extrativista Verde para Sempre (Resex), ter sido suspenso o acesso às linhas de financiamento da agricultura familiar. Não se sabe concretamente quem e porque foi suspenso o financiamento para as atividades produtivas na Resex como um todo. Talvez um “gênio maligno”, como diria Descartes, tenha fechado as portas dos bancos para os ribeirinhos e também as possibilidades e condições de enfrentamento aos fenômenos da natureza e às necessidades de um processo contínuo de aprimoramento das práticas de manejo adotadas.

Não obstante, agrava mais ainda a situação, o fato dos órgãos de assistência técnica do estado e do município, assim como os de fomento continuarem apáticos às possibilidades de perda de parte significativa dos rebanhos dos criadores familiares, bem como, à redução drástica da produção de queijo que gera renda para centenas de famílias pelo menos seis meses por ano.

Para os criadores, as saídas são simples, muito claras e já estão estruturadas nas políticas de apoio a produção familiar dos governos federal e estadual:  linhas de financiamento público que permitem a reestruturação do sistema, com reforma das morambas; reforma,  ampliação e manejo das pastagens cultivadas; assistência técnica para implementação para implementação dessas ações e para a produção de queijo que a vigilância sanitária ameaça, cobra qualidade, mas não apresenta as condições para a regularização dessa atividade no estado Pará. Isso poderia ser feito com a regulamentação da lei de produtos artesanais comestíveis.

Mas, se tudo parece tão fácil de se resolver, porque essa situação está cada vez mais ameaçando a criação de bubalinos nos campos naturais de Porto de Moz? Em se concretizando a redução drástica da criação de animais como já vem ocorrendo, as conseqüências serão barquinhos descendo os rios em direção à cidade para concluir o loteamento do Baixão do Maturu, área de ocupação desordenada da cidade de Porto de Moz. Já a lotérica, nos térreos do Xingu Palace, vai ter seus clientes aumentados na distribuição do Bolsa Família.

O conservador Ministério do Meio Ambiente, o omisso Ministério do Desenvolvimento Agrário e as populações da Amazônia

Gabriel Medina


Até pouco tempo atrás, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) atuava na Amazônia via IBAMA com ações de comando e controle. Recentemente foram criados o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) para cuidar das florestas públicas e Instituto Chico Mendes (ICMBio) para cuidar das unidades de conservação, ambos pensados para uma maior aproximação do governo com a sociedade, incluindo as populações tradicionais da Amazônia. O SFB foi criado em 2006 para conceder áreas públicas com floresta para serem exploradas por empresas madeireiras. O custo do SFB é significativamente maior que a arrecadação feita com a concessão de florestas públicas, o que leva a pensar que estamos pagando para conceder áreas públicas para uso privado. Seguindo o governo federal, o Estado do Pará criou o Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado (Ideflor) em 2007 que tem orçamento anual de cerca de seis milhões de reais e ainda não tem resultados a apresentar.


Para não sofrerem ainda mais críticas por terem sido criados apenas para conceder florestas públicas para a exploração privada usando o dinheiro do povo brasileiro, o SFB e o Ideflor também abrigaram a missão de promover o manejo florestal comunitário. E tentam fazer isso com oficinas pontuais de capacitação para um modelo de manejo alheio aos interesses e capacidades das comunidades. As propostas de manejo são ainda inspiradas em pacotes definidos pela legislação, os mesmos que foram fomentados pelo Promanejo com resultados financeiros pífios (veja artigos a respeito nesse blog).

 
Além de não ter uma proposta funcional de apoio às comunidades, o Serviço Florestal esbarra em outras travas, muitas vezes colocadas por colegas do próprio ministério. Para o caso de comunidades que moram em Reservas Extrativistas, um entrave claro tem sido a atuação do ICMBio, até agora concentrada no comando e controle, exatamente como feito antes pelo IBAMA. Sem dinheiro para elaborar os planos de manejo das unidades e sem uma alocação estratégica e eficiente dos poucos recursos existentes, o Instituto assumiu para si o peso da contradição de suas medidas: não aprova nada nas Resex, nem os planos de manejo florestal apoiados pelo SFB, sem o plano de manejo da unidade, mas também não apresenta alternativas para a elaboração desse plano. Enquanto isso as populações dessas unidades, amargam longos anos de estagnação.



Sem propostas, sem recurso e sem prestígio, os órgãos do MMA, que foram criados para garantir a atenção à sociedade que não era garantida pelo IBAMA, não avançam. Uma alternativa eficiente para quem não tem propostas nem dinheiro sempre foi trabalhar em parcerias. E as comunidades são parceiras fundamentais nesse processo, pois têm propostas e estão sempre dispostas a trabalhar juntas com o governo porque querem melhorar de vida dentro da legalidade. Para começar a parceria, um primeiro passo seria o respeito às populações, às suas organizações e às suas propostas e experiência.



Mas não parece uma contradição que na Amazônia o apoio à produção familiar fique, na prática, nas mãos do MMA, um ministério que cuida do meio ambiente e não nas mãos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), criado para tal função? A atuação do MDA na Amazônia, além de seus pacotes de créditos em geral pouco acessíveis e pouco adaptados às populações locais, está principalmente restrita ao programa de regularização fundiária -  Terra Legal, por exemplo. A função de regularização que originalmente cabia ao INCRA passou para o MDA em xxxx, recebeu críticas significativas e também avançou muito pouco. A política de promoção de produtos da biodiversidade do MDA é tão pontual que nem é conhecida na região.



Enquanto o MMA e o MDA disputam terreno na Amazônia e espaço político na administração federal e não desenvolvem propostas funcionais de apoio ao desenvolvimento local, as populações vão se empobrecendo, em parte pelas travas que o próprio governo impõe a elas. Pelo andar da carruagem, vai sobrar para o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) chegar com suas bolsas para retirar a população da miséria provocada pelo próprio governo.



Dilma, cadê você? As soluções são simples: o MDA tem que assumir seu papel de apoio à produção familiar na Amazônia. Para isso precisa ajustar seus pacotes de crédito e investir em assistência técnica voltada para as atividades já desenvolvidas pela população local. A política de comercialização institucional deve incorporar o apoio mais direto aos agricultores e suas organizações na elaboração das propostas e estruturação das cadeias. O MMA precisa modificar a política de comando e controle para a política de suporte às iniciativas locais com a parceria com as populações locais para a definição dos sistemas de governança. Muitas comunidades têm iniciativas muito interessantes em andamento que, se reconhecidas e apoiadas pelo governo, serão fortalecidas. O MDS que é o novo ministério forte do governo pode começar assumindo seu papel de liderança botando ordem na atuação do MDA e MMA na região.



E o Estado e os Municípios? Governador, prefeitos, cadê vocês? Nesse contexto é fundamental não esquecermos que o Estado do Pará não apresentou política efetiva alguma de apoio à produção familiar. Os municípios, em geral, nem sequer possuem secretaria de agricultura que, quando existem, têm sua atuação limitada a ações pontuais e paliativas sem política estruturante. Estado e municípios estão muito mais próximos da população e têm ainda maiores condições de acertar em suas políticas mas, para acertar, é preciso tentar.

Governança externa na Resex Verde Para Sempre: tudo para o linhão e nada para os moradores

Cláudio Barbosa

Serviço Cerne de Apoio à Produção Familiar na Amazônia – CERNE



A Reserva Extrativista (Resex) Verde para Verde para Sempre, criada em novembro de 2004, no município de Porto de Moz, é a maior do Brasil. Ocupa superfície superior a um milhão e duzentos mil hectares, a população de seu interior está estimada em mais de dez mil habitantes e desenvolve basicamente a agricultura, a pesca, a criação de búfalo na área de várzea e o extrativismo da madeira e outros produtos da floresta como forma de subsistência e geração de renda.



Desde a criação da Resex, as atividades desenvolvidas pelas famílias nunca receberam nenhum tipo de fomento ou apoio por parte do Estado brasileiro. Até o acesso às linhas de financiamento para a agricultura familiar foi vedado! Pesa sob essa postura, o fato da unidade de conservação ainda não ter o Plano de Manejo – previsto na lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, Art. 18, § 5º). No entanto, recentemente, o Estado brasileiro licenciou a passagem de linhas de transmissão de energia elétrica cortando a Resex em sentido Sul x Norte, até a “Serra da Velha Pobre”, no município de Almeirim.



O fascínio do empreendimento caiu por terra quando membros do Conselho Deliberativo da Unidade realizaram uma visita in loco e fizeram as seguintes constatações: a) os dejetos humanos dos banheiros químicos são descartados em locais desconhecidos; b) os resíduos (lixo) são enterrados nas propriedades dos ribeirinhos sem nenhum cuidado; c) para a instalação da linha de transmissão a floresta sofre corte raso; d) os canais de acesso são abertos com destruição de mata ciliar às margens do Rio Aquiqui; e) a compensação ambiental até agora não existe; f) nem todos os moradores são devidamente indenizados por danos causados às instalações de suas propriedades.

Todas essas constatações foram apresentadas durante a reunião do Conselho no dia 25 do mês de maio de 2012, na cidade de Porto de Moz. O encaminhamento dado pelo presidente do ICMBIO Sr. Roberto Ricardo Vizentin, responsável pela gestão da Resex, foi agendar uma reunião com a ISOLUX, empresa espanhola responsável pelo empreendimento. Seguramente, se fosse um ribeirinho a provocar os impactos, seria preso, multado ou até mesmo expulso da Unidade de Conservação. Ou se as atividades desenvolvidas pelo conjunto de moradores provocassem os mesmo impactos apresentados pelos conselheiros, seguramente a Estado já teria agido de forma implacável. Mas como é uma grande empresa contratada pelo Estado, a coisa é diferente: primeiro agente conversa, depois... sabe-se lá!



A população local vivencia a situação alheia a tudo: pela falta de acesso à informação coerente dos impactos provocados pelo empreendimento ou por considerar o Estado grande e forte demais para ser questionado em suas decisões. Enquanto o empreendimento é executado com a mesma agilidade da aprovação do licenciamento para sua realização, a população ribeirinha continua na mesma: sem acesso a crédito, acesso legal aos recursos naturais, sem assistência técnica para melhoramento das cadeias produtivas, etc. A vida da população local parece ser de pouca valia para o Estado, por não movimentar grandes somas de dinheiro, pelo menos para aqueles que só conseguem enxergar grandes números. Ou, há dois pesos e duas medidas nessa história: para a população pobre, com pouco acesso a informação e que não dispõe de aparatos técnicos para implementação e desenvolvimento de suas atividades produtivas, aplica-se o rigor da lei. Para a empresa que dispõe de aparatos técnicos,  financeiros e jurídico tudo é possível, ainda que a unidade não tenha plano de manejo. Isto é, para o linhão tudo pode, para os moradores nada pode, até que o tal plano de manejo seja elaborado e aprovado!